20141126

travestismo

e quê fazer quando você cansou
da sua cara?
quando já não mais
quer ou
importa
mudar o cabelo, fazer
a barba ou trocar
os óculos.

apaixonei-me por uma moça sentada
no assento preferencial do metrô.
não só a beleza, mas
o movimento leve de se levantar para o cego e
conduzi-lo ao banco;
e também o descontraído de puxar
a calcinha enfiada na bunda.

não foi sexy. foi natural.
foi como todos faríamos.

pensei se eu poderia vesti-la em mim.
se poderia falar para ela
- olá, você não me conhece. mas
eu gostaria de ter a sua face, seu corpo, sua casca.
vamos trocar?

e talvez até explicar todo o cansaço, toda a
vida, quiçá todos os problemas; e também ouvir
tudo o que aquela forma lhe incomodava,
o que lhe traz nas ruas e zanga.

queria saber, ainda, se - e como - a forma
transforma o conteúdo.
e de que jeito eu mudaria meu interior
travestido naquela carcaça de
moça do banco preferencial.
talvez seria uma forma de apaixonar-me
por mim mesmo n'outra pessoa.

e quem sabe, mais rápido que a palpitação cardíaca,
eu me apaixonasse n'outra pessoa novamente,
n'outro vagão ou n'outro caminho,
e quisesse refazer este escambo...

tal qual ator,
cresceria em minha vivência
tendo a forma alheia somando
o conteúdo.
tal qual humano,
aprendendo com a experiência
dos outros.

Um comentário:

  1. Lindo! E que encontro de sentir o nosso.

    Deve ser mesmo culpa da chuva.
    um beijo!

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