20151119

de estar ao vento




volta o vento
forte
volta a chuva
leve

tempo para passarinhar
em cadernos e letras.

mas aborto-me.

de todo sentido
da arte
da natureza de fora
que pede

paro e penso:

no todo o redor que
não fui
e nem serei

pois não me encontro
agora
quiçá.








20151026

esperançosamente


Tomou aquele banho,
que durou horas,
pôs o melhor vestido
e passou o perfume guardado
há anos
para esperar, 
sentada na cadeira de balanço,
a Morte chegar.






20151015

escondendo




Às vezes a gente fecha a porta
para esconder a bagunça.

Outras vezes,
fecha o coração





20150619

de sulcos




Todos os pisos passados
nada tem a ver com os
passos pisados.

Assim como um soco -
ou um beijo -
mostram que o molde é
o contrário da marca.

O carimbo da impressão,
a madeira da gravura,
o você do coração.



20150616

de humanizar


amargo
é a angústia
que desce na garganta
em busca de Justiça;
mas não há.

sempre socos,
pontapés e mortes
que anunciam a intolerância
sobre a vida e 
sobre o amor alheio.

em era de proximidade 
virtual,
distanciamos corações,
distanciamos mentes,
distanciamos espíritos.

não há a quem reclamar
pois não há humano mais
a nos salvar.

precisamos esquecer a destruidora
humanidade
e recuperar a natural
animalidade.

quem sabe mais doces
vivemos..

20150518

de sopetão



Como controlar as inspirações
que traz a madrugada?
Não fossem as noites tão
escuras e frias, Carlos,
quiçá menos paixões.
Escrever em palavras e costas
do outro,
enquanto escorre-se vontade
pela boca, mãos e
tinta
tingindo o caminho a trafegar em
quarenta e cinco minutos 
que separam anos
em céus, mar e rio.
Ao menos, é, tudo isto,
ins
piração.


20150511

de águas profundas




o desespero,
assim como a paixão,
é proporcional ao quanto de si
você mergulha em suas águas
tempestuosas.

ao passo que você se joga,
bate os braços
tentando sobreviver;
se acostuma com a situação e
nega a antiga normalidade.




do ponto à linha



"A linha da vida 
solitária de Maria
finalmente encontra:
a linha do trem."


20150505

das necessidades agora

Necessidades gritam, esbravejam e balançam,
internas em nós,
cedo ou tarde,
nos fazendo tremer calcanhares
e joelhos que já não aguentam a dor.

Não é mais possível fingir
orgulho
daqueles papéis impressos,
emoldurados e
pendurados em folhas grossas nas paredes.

Os pés já buscam cavar pegadas
na vontade de correr,
que mesmo parados
vão fazendo buracos
enterrando o corpo,
tal qual ficar inerte na maré que puxa.

É tempo de dar-se um tempo.
É tempo de encarar horizontes
e desapegar do umbigo.
É tempo de correr a pena no
calcar dos papéis dispostos sobre a mesa.

Eu tinha um futuro quando era novo -
escrever milhares de linhas,
ser lido, ser visto,
defender o povo,
ser entrevistado pelo Abu -,
mas não sou mais.
Não posso mais.
Necessidades antigas
que gritam comigo
sempre presentes
sempre buscando espaços.

Onde enterrei meus sonhos?
Qual o lado da vida eu não teria entendido?

Sei que os dias permanecem
e o que fazemos deles é
totalmente
culpa nossa.

Por isto mesmo
agora é a hora,
"uma vez é nunca",
agora precisamos recuperar as esperanças
e as vontades desintencionadas
e as ações que buscam apenas recuperar
o próprio segundo.

Repete isto para si:
agora é a hora.
Repete e relembra de quem
não fez a hora,
de quem não sacrificou os deveres,
de quem viu tempo e sangue passar.
Repete
mas faça.




das temperaturas




Num regalo de sol,
descansava o corpo já frio.




20150429

da revolta



Paro.
Paro para descansar o dia.
Pego uma latinha gelada,
acendo meu palheiro.
Nas TVs, na internet,
no jornal:
sangue.

O mais vermelho,
bruto,
doloroso sangue do povo.
Vejo bombas,
vejo tiros.
Não há quem se salve estando ali.
Felizmente, para mim,
não estava de frente
aos fuzis.
Mas é como se estivesse,
pois é sangue humano.
É sangue trabalhador.
Ou até mesmo marginal,
vagabundo, drogado,
não importa.
É sangue nosso,
é sangue dos nossos.
O rubro colore o asfalto e
a garganta fica presa.
Sendo culpa do gás de pimenta,
das bombas estouradas,
ou somente da compaixão
que devemos ter pelos
nossos.

Hoje
eu não sangrei.
Por hoje
só gritam minhas cicatrizes
e minha indignação.
Por hoje
posso estar sentado
frente àlgumas telas
observando de longe.
Mas e quando a mira
for eu?
Mas e quando a água,
ou o que ainda restar dela,
bater na minha bunda?

Governos vão e
governos vem.
O povo fica.
Fica o povo, mas
como?
O povo vai e vem
e se movimenta
e pede justiça
e grava
e grafa
e grifa
e grita.

Hoje o povo
sangrou.
Enfrentou a apatia
de nossos dias
abrindo o chão para
gritar
e sangrou.
Abrimos as veias,
abrimos as gargantas,
jogamos o coração
em praça pública,
doído, pulsante,
como bombas que estouram
mas que buscam apenas
consciência.
Já não há consciência.
Há somente o barulho
e o fogo dantesco das
forças governamentais
que buscam a
bovina mansidão do povo.

Mas as pessoas,
não, as pessoas não vão
encabrestar-se.
A cela já foi jogada fora.
E devolvemos agora
somente o mais doce
o mais puro
sangue nosso.
Que é de luta.
Que corre cá dentro
e em toda parte
fervendo
por dias melhores -
que virão.

Minha cerveja e meu trago
brindam a coragem e a
eterna força
do povo organizado.
Lembram-me da necessidade
de não parar,
de não descansar
sequer
um dia.



20150408

do ganhar



Ao mesmo tempo que aguarda,
a guarda abaixa.

E somos mais humanos;
sentidos afetados.

Ao mesmo tempo que aguarda,
abaixa
e senta que vem.


20150406

de dias re-sentidos

da primeira vez que partiu
foi sem aviso, sem sono,
sem dormir e sem despedida.
e quando voltou, não era aquela.
de portas e vistas fechadas,
mãos dadas e coração ocupado.

quando já retornou, mais leve,
havia buraco do peito,
ferida e descaso na alma.
nas manhãs dominicais, o gosto
e o grude da pele no corpo
ansiavam o querer do coração.

vestido de amores vagabundos
debrucei-me no incerto futuro
esquecido de possíveis triunfos.
tocamos o improvável, o distante,
e desenhamos pegadas antigas
que enraízam novos floresceres.

20150404

das veias nossas

Cidades que juntam gentes,
aparelhos que aproximam,
mas olhos não se tocam,
peles não se beijam.

Pessoas mais à dentro
em segurança do mundo
na esquizofrenia própria.

20150303

do ar-dor.

Daquele dia primeiro em sua casa, 
lembra?
De tudo o que andei, 
daquilo que fugi,
do taxista me largando em
lugar qualquer que eu
não sabia o que fazer.

E de eu não conseguir dormir depois de escovar os dentes e sem um carinho aconchegado.

Dos fins de semana posteriores
que acompanharam o crescimento.
Dos nossos amigos perguntando
quê era tudo isso.
Você não sabia responder e
eu não me preocupava e 
ria.

Fato é que ainda não me preocupo e talvez isto seja coisa que devesse me preocupar.

Toda amolação e toda briga que vinham
de surpresa pra lembrar que
não é tudo paraíso.
E toda nossa amizade que nos
mantinha
afastava e
trazia de volta.

Seria tudo isto o nosso tempo
necessário.
Sempre penso que nosso tempo
vem antes;
vem de 
antes.
Junto com amadurecimento, 
conhecimento e experiencia.

Tudo o que trazemos em nossas costas foi sempre para fruir o outro, mas não temos caminho desenhado para percorrer. Ou será que negamos o caminho?

Inventando pegadas, 
somos isto que somos.
A soma de todas estas mudanças
e de todos estes momentos.

Ainda que a sintonia do rádio
nem sempre seja a mesma
de nossos corações
Que saibamos a batida que
nos toca e nos faz dançar.




20150223

das alturas

por detrás de minha casa mora uma montanha
sempre lá, sempre inerte.
como uma pensadora
aberta abraçando a gente.

penso tudo o que já não viu
parada pensando.
história, histórias...
acompanhando o passar.

desde o nascer dos rios
ao nascer dos homens,
ao hoje, ainda resiste.

vivência perene
segurando passos frágeis
em tempos sempre difíceis.

20150206

dos complementares

será que se nos víssemos
um dia -
um dia qualquer;
sol, chuva, lua,
tanto faz o dia -
...um dia,
olhos nos olhos,
tocaríamos, em vista,
aquilo que não
conhecemo-nos?

será que o tato é capaz
da descoberta de tudo
tudo
tudo aquilo que 
esconde dentro?

por vezes, me parece,
que só os sentidos já são 
suficientemente
completos
enquanto ainda não há
a experiência

o toque,
o cheiro e
o tempo,
em eterna luta e
composição.




20150115

das pinturas possíveis

não há quê pensar nas cores
de nossos dias senão
que há!
não há que esperar o sépia
ou o azulado do céu ou o pb
das noites hoje.

aqueleremo-nos
com a paleta inteira e depois
manchemos-nos
de caneta, batom e gozo.

pois seja o corpo
nossa tela, ou somente
a criatividade para
nossos traços;
somos isto que somos.