20150429

da revolta



Paro.
Paro para descansar o dia.
Pego uma latinha gelada,
acendo meu palheiro.
Nas TVs, na internet,
no jornal:
sangue.

O mais vermelho,
bruto,
doloroso sangue do povo.
Vejo bombas,
vejo tiros.
Não há quem se salve estando ali.
Felizmente, para mim,
não estava de frente
aos fuzis.
Mas é como se estivesse,
pois é sangue humano.
É sangue trabalhador.
Ou até mesmo marginal,
vagabundo, drogado,
não importa.
É sangue nosso,
é sangue dos nossos.
O rubro colore o asfalto e
a garganta fica presa.
Sendo culpa do gás de pimenta,
das bombas estouradas,
ou somente da compaixão
que devemos ter pelos
nossos.

Hoje
eu não sangrei.
Por hoje
só gritam minhas cicatrizes
e minha indignação.
Por hoje
posso estar sentado
frente àlgumas telas
observando de longe.
Mas e quando a mira
for eu?
Mas e quando a água,
ou o que ainda restar dela,
bater na minha bunda?

Governos vão e
governos vem.
O povo fica.
Fica o povo, mas
como?
O povo vai e vem
e se movimenta
e pede justiça
e grava
e grafa
e grifa
e grita.

Hoje o povo
sangrou.
Enfrentou a apatia
de nossos dias
abrindo o chão para
gritar
e sangrou.
Abrimos as veias,
abrimos as gargantas,
jogamos o coração
em praça pública,
doído, pulsante,
como bombas que estouram
mas que buscam apenas
consciência.
Já não há consciência.
Há somente o barulho
e o fogo dantesco das
forças governamentais
que buscam a
bovina mansidão do povo.

Mas as pessoas,
não, as pessoas não vão
encabrestar-se.
A cela já foi jogada fora.
E devolvemos agora
somente o mais doce
o mais puro
sangue nosso.
Que é de luta.
Que corre cá dentro
e em toda parte
fervendo
por dias melhores -
que virão.

Minha cerveja e meu trago
brindam a coragem e a
eterna força
do povo organizado.
Lembram-me da necessidade
de não parar,
de não descansar
sequer
um dia.



20150408

do ganhar



Ao mesmo tempo que aguarda,
a guarda abaixa.

E somos mais humanos;
sentidos afetados.

Ao mesmo tempo que aguarda,
abaixa
e senta que vem.


20150406

de dias re-sentidos

da primeira vez que partiu
foi sem aviso, sem sono,
sem dormir e sem despedida.
e quando voltou, não era aquela.
de portas e vistas fechadas,
mãos dadas e coração ocupado.

quando já retornou, mais leve,
havia buraco do peito,
ferida e descaso na alma.
nas manhãs dominicais, o gosto
e o grude da pele no corpo
ansiavam o querer do coração.

vestido de amores vagabundos
debrucei-me no incerto futuro
esquecido de possíveis triunfos.
tocamos o improvável, o distante,
e desenhamos pegadas antigas
que enraízam novos floresceres.

20150404

das veias nossas

Cidades que juntam gentes,
aparelhos que aproximam,
mas olhos não se tocam,
peles não se beijam.

Pessoas mais à dentro
em segurança do mundo
na esquizofrenia própria.