"eu quis querer o que o vento não leva
prá que o vento só levasse o que eu não quero.
eu quis amar o que o tempo não muda
prá que quem eu amo não mudasse nunca."
Um pequeno imprevisto - Thedy Correia/Herbert Vianna
Meu amigo Jeremias cantava isso enquanto andávamos meio sem rumo pela cidade. Discutia sozinho sobre o tempo que passa, que leva, que muda. Não sabia a nostalgia que me trazia essa música. Não sabia que eu já vivera a música. E agora, vivia novamente. Ela, como algumas outras, me lembrava as viagens, meus pais, meu irmão e minha irmã. Mas ela tinha tudo isso em si. E nisso viajei..
Quando éramos mais novos e menos decididos, e meus pais mais ativos, viajávamos, ao menos, uma vez por ano para algum lugar. A cada dois anos visitávamos os avós. E as viagens entre esta ou era para a praia, ou para o camping, ou para a casa de algum familiar no interior. Era sempre, sempre a mesma empolgação, a mesma mágica, o mesmo encantamento de ir viajar. Desde o pronunciamento oficial: "Vamos viajar!" até a chegada ao local combinado era um ritual único. Arrumar a casa! Espalhar as roupas na cama! Escolher as roupas! Arrumar as malas! Arrumar o quarto! Escolher as músicas prá ouvir. Gravar o que quiser escutar em fitas (naquela época era muito caro ter CD-Player no carro). Nomear as fitas e colocá-las na bolsa de música. Tomar banho para dormir. Dormir cedo para acordar cedo no outro dia para viajar. Mal-dormir de ansiedade esperando acordar para finalmente viajar. Levantar às 5 horas da matina, pegar a mochila, a bolsa de roupas e correr para a saída. Enfrentar o olhar da mãe ao perguntar "Mas você tomou leite?". Largar tudo na porta, correr para a cozinha, tomar leite rápido e correr de volta para colocar as coisas no carro. E isso só prá sair de casa...
A viagem em si era a grande atração! Era o momento - por vezes dias - que podíamos aproveitar da presença um do outro. Era a hora de ser família. Naquele tempo eu não entendia os gritos entre meus pais; e nós, filhos, no banco de trás, continuávamos brincando, ou brigando. Nessas viagens conheci todas as 9 Luas, e muito mais coisas... Também era aí que conhecia meus irmãos. No dia-a-dia não éramos tão ligados, tão próximos. Mas nas viagens, talvez por ausência de outros ou por oportunidade, sentíamo-nos amigos. E mais, éramos irmãos. Presenciávamos a vida do outro como nossa. Divertíamo-nos. Dividíamo-nos!
Nossa última viagem como família já fazem uns 6 ou 7 anos. Foi da vez que quebramos o ritual e viajamos no meio do ano. Fomos ver os avós. Foram 3 dias de carro. Foi da vez que o carro quebrou no caminho e ficamos parados um dia todo para arrumá-lo. Nossos últimos 3 dias tão juntos. Tão próximos. Tão família. Hoje, tudo me recorda aquela viagem. A estrada. O pneu deslizando. O carro cortando divisas. As paradas nas cidades que achávamos interessante. Os mesmos restaurantes onde sempre comíamos e já conhecíamos os donos. Os mesmos hotéis onde passávamos a noite e já conhecíamos o quilômetro. Tudo...
...de volta, Jeremias já não falava mais nada. Éramos só os dois, andando numa madrugada de sábado de volta para o metrô. Madrugada esta que daria entrada à um dia que ficaria marcado na minha falha memória tanto quanto as nossas antigas viagens. Mas não pelos bons motivos. Eram bons individualmente. Mas eu assumira uma posição isolada, de fora, para esta data. Pois o que eu via era mais duas mudanças irrecuperáveis na família. Neste dia minha irmã caçula fazia 17 anos. É, ela não era mais uma criança. Mas quando ela era minha irmã, minha pequena, ela era uma criança. A princesinha da família. E desta última viagem para cá ela cresceu, e cresceu... aconteceram coisas que o dia-a-dia nos impossibilita ver, e só percebemos quando temos motivo para parar e pensar. Sempre me pego desesperado, perguntando "O que aconteceu? Onde eu estive esse tempo todo? Por que não participei do crescimento dela???". Pena ela ser muito pequena nos quandos das viagens... Queria trazer toda aquela mágica de volta prá ela... O outro motivo era a mudança definitiva do meu irmão, que começaria hoje. Comprara um apartamento no centro e já era hora de habitá-lo. Partiria com sua namorada. Já vivera bastante em família, pelo menos tentara. E eu sei que não foi fácil tentar... Também não sei até quando vou aguentar...
Eu estava entre eles. Eu estava entre isso. Entre o ser adulto e o assumir verdadeiramente esta responsabilidade. Entre o ter idade e o praticá-la. Entre o teórico e a vida. Será que minha amizade com o Jeremias seria assim, um dia, perdida? Só uma memória? Será que algo, um dia, me separará desse amigo que cantou a nostálgica música? Será que n'outra vez pensando no fugaz tempo que voa lembraria dele, e de algo que nos separou? Algum motivo para nos separar? Um bom motivo para isto! Algum imprevisto? Um pequeno imprevisto?
Clap, Clap... Foda em Fernandinho!
ResponderExcluirPorra, a vida é assim mesmo, nunca saberemos o que vai dar na frente.
Minha mãe fala que quando ela se formou na faculdade, todas as amigas delas, inclusive ela, estavam marcando e falando o "nunca vamos nos separar", "vamos sempre marcar para nos encontrarmos", porém havia uma que dizia o contrário, "amizade é só conveniência, passamos o tempo que tinhamos que passar, o contato vai ficar cada vez mais distante, até um dia que não nos veremos mais".
Talvez ela esteja certa, embora eu queira acreditar e desejar a visão das primeiras, talvez por experiência própria, pelas pessoas do Senai, do colegial que nunca mais vi, da Faculdade de música que provavelmente não verei mais, saiba que a segunda esteja certa, mas acredito que não é uma certeza na vida. Quero acreditar e lutar para que sejamos todos do grupo sempre amigos, de alguma forma a Unifesp me marcou de um jeito que os outros lugares não me marcaram. Prometo que vou lutar contra todos os pequenos imprevistos que venham a separar a todos nós... Se um dia acontecer serão lembrados como anos incríveis, mas vou lutar para esses anos se renovarem e serem sempre presente! É isso.
Obs: Gostei do seu amigo Jeremias.
Maravilhoso!
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