"CADEIRA DE BALANÇO é móvel da tradição brasileira que não fica mal em apartamento moderno. Favorece o repouso e estimula a contemplação serena da vida, sem abolir o prazer do movimento. Quem nela se instale poderá ler estas (...) mais a seu cômodo"
Carlos Drummond de Andrade
Dona Edônia comprou uma cadeira de balanço. Juntara durante alguns meses os trocados que sobrava em casa os quais ninguém dava falta. Os trocos do mercado que o marido esquecia. Na última semana até pedira certa quantia emprestado para o filho mais velho. Pagaria em prestações. As cadeiras de balanço quase acabaram na cidade antes dela comprar. Cobiçavam-se sempre que aproximavam-se. Mas não se sabia quem cobiçava mais a quem. Se a cadeira, a Edônia. Se Edônia, a cadeira. Mas depois de quatro meses e dois terços de mês compraram-se.
Na loja, a entrega para uma terça-feira. Das 16 horas às 18. Horário bom: pois os filhos na escola e no trabalho, o marido no trabalho. Assim, todos os cantos da casa seus e da cadeira. Onde melhor? A casa, nem medíocre nem luxuosa. Típica casa de bairro de cidade do interior. Terreno quadrado, garagem à direita da casa, na entrada jardim, no fundo quintal espaçoso e gramado. Dentro: dois quartos compridos, dois banheiros, sala, cozinha, varanda com aparelhos de limpeza. A vida ali, boa e calma; próximos ao trabalho do pai e do filho, e das escolas dos dois filhos. Lugar onde a vida, ainda que presentes as dificuldades e os problemas e as incertezas, vida.
Chegou adiantada, logo após o almoço. Edônia pediu que deixassem entre o jardim e a porta da frente. Testou-a por toda a casa, cada canto. Em seu quarto. Na sala. De frente para a rua. Na garagem. No banheiro. E nada que gostasse. Cansou-se. A cadeira tinha um estofado denso e macio, e agora estava parada no meio da sala. Foi tomar um café. Comer um bolo. Mais tarde arrumaria seu canto para sua cadeira. SUA cadeira. Nem sentara nela ainda. Até agora só olhava-a. A primeira vez que se sentaria nela seria num lugar onde ficaria para sempre. Seu pensamento era como se tivesse comprado um caixão. Mas aquele seria SEU conforto. SEU momento. SEU cantinho. SEU caixão.
Anos cuidando dos filhos e do marido se revoltaram de uma só vez naquela cadeira de balanço. Procurando um espaço para si. Seu Tempo para si. E teria naquele dia. Naquela cadeira. Só ainda não sabia onde. O tempo ventava. Vento bom para estender as roupas. Foi estendê-las.
Em seu quintal as roupas já esperavam. Esquecera-as quando a cadeira chegou. Ao fim, estendeu-as. Ao voltar a vista para casa viu a varanda como um ótimo lugar para SEU prêmio. Desta vez, já cansada, arrastou forçosamente a cadeira até o local admirado. Antes de se sentar, de iniciar sua nova vida, verificou qual vista teria sentada: à frente à direita, no quintal, as roupas que estendera, sendo balançadas por um Oeste. À esquerda, sua pequena e tosta horta, onde uma bagunça de insetos tentavam dividir aquilo que já haviam invadido. À esquerda e à frente, bem ao fundo, por trás do muro do quintal, por trás da rua de trás, por trás do bairro, uma gigante montanha verde-escuro com um cume muito alto.
Sentou-se.
.
.
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Respirou o ar fundo. Fechou os olhos. Ao fim da longe expiração a primeira lágrima caia. Em sua cadeira sentia-se dona de si. Via que construira algo para ela própria. Sentia-se reconfortada sabendo que algum resultado de seus esforços era para ela mesma. Os filhos crescem e se vão. O amor vira vida e depois rotina e depois dois. Mas sua nova cadeira de balanço não. Aquela não era a cadeira mais confortável que já se sentara, mas ali, naquele momento, era a cadeira mais confortável que já se sentara!
Ao abrir os olhos viu que aquele Oeste que vinha da montanha, agora cinza, era chuva. Já marcava quase 17 horas e o sol já sumira. Por trás da montanha as nuvens escuras já chegavam às casas do bairro, porém sem pingar. Os relâmpagos eram visíveis, delineavam a montanha por detrás dela. Um silêncio de fim de tarde. Edônia via que cedo ou tarde teria que tirar as roupas do varal. Mas queria prolongar o momento em sua cadeira de balanço por mais alguns minutos. Horas. Dias, A vida, se pudesse. Aquilo era tudo o que não fizera em sua vida. Tirar um tempo para si. Pedir para a vida esperar. Para aproveitar. Elogiar o ócio, a tranquilidade e a própria vida.
E agora, aquela enorme velha montanha lhe mandaria chuva? Lhe queria tirar a vida? Aquela velha, que já tivera a sua, tirava a vida que restava desta outra velha? Ela que sempre acompanhou de longe minha vida. Quê queria esta montanha com esta chuva? Quê queria esta montanha ao regar-lhe?
Enquanto isso, a grossa parede de gotas se mostrava e descia as íngremes encostas da montanha. O vento, agora mais forte, quase arrancavam as roupas do varal. E Edônia continuava sentada. As vizinhas que tinham arriscado as roupas já tinham tirado-as de lá. O vento trazia o mudo d'água rapidamente. E Edônia sabia tudo o que podia acontecer. Molhar as roupas. Molhar a casa, as portas e janelas abertas. Molhar-se. Seria um trabalho imenso, depois. Mas valia a pena.
E como iria explicar para os filhos? Para o marido? Como iria explicar-se a si mesma quando cair em si? As perguntas apareciam em sua cabeça, mas logo se dissipavam. Pois estava ali. Entregue à si mesma. Entregue à sua vida. Entregue à sua cadeira de balanço.
Ao ver a chuva atingir o telhado do vizinho de trás, fechou os olhos. Colocou as mãos nos braços da cadeira e balançou. Sentiu o vento forte nos cabelos. Ouviu o barulho das portas, das janelas, baterem com o vento. O barulho dos pingos em seu quintal. O cheiro da grama e da terra molhava. Respirou fundo. Ao fim da longa respiração, já se confundiam lágrimas com gotas de chuva. Soluços com pingos no chão. Montanhas com nuvens negras. Cadeira de balanço com caixão.
Na loja, a entrega para uma terça-feira. Das 16 horas às 18. Horário bom: pois os filhos na escola e no trabalho, o marido no trabalho. Assim, todos os cantos da casa seus e da cadeira. Onde melhor? A casa, nem medíocre nem luxuosa. Típica casa de bairro de cidade do interior. Terreno quadrado, garagem à direita da casa, na entrada jardim, no fundo quintal espaçoso e gramado. Dentro: dois quartos compridos, dois banheiros, sala, cozinha, varanda com aparelhos de limpeza. A vida ali, boa e calma; próximos ao trabalho do pai e do filho, e das escolas dos dois filhos. Lugar onde a vida, ainda que presentes as dificuldades e os problemas e as incertezas, vida.
Chegou adiantada, logo após o almoço. Edônia pediu que deixassem entre o jardim e a porta da frente. Testou-a por toda a casa, cada canto. Em seu quarto. Na sala. De frente para a rua. Na garagem. No banheiro. E nada que gostasse. Cansou-se. A cadeira tinha um estofado denso e macio, e agora estava parada no meio da sala. Foi tomar um café. Comer um bolo. Mais tarde arrumaria seu canto para sua cadeira. SUA cadeira. Nem sentara nela ainda. Até agora só olhava-a. A primeira vez que se sentaria nela seria num lugar onde ficaria para sempre. Seu pensamento era como se tivesse comprado um caixão. Mas aquele seria SEU conforto. SEU momento. SEU cantinho. SEU caixão.
Anos cuidando dos filhos e do marido se revoltaram de uma só vez naquela cadeira de balanço. Procurando um espaço para si. Seu Tempo para si. E teria naquele dia. Naquela cadeira. Só ainda não sabia onde. O tempo ventava. Vento bom para estender as roupas. Foi estendê-las.
Em seu quintal as roupas já esperavam. Esquecera-as quando a cadeira chegou. Ao fim, estendeu-as. Ao voltar a vista para casa viu a varanda como um ótimo lugar para SEU prêmio. Desta vez, já cansada, arrastou forçosamente a cadeira até o local admirado. Antes de se sentar, de iniciar sua nova vida, verificou qual vista teria sentada: à frente à direita, no quintal, as roupas que estendera, sendo balançadas por um Oeste. À esquerda, sua pequena e tosta horta, onde uma bagunça de insetos tentavam dividir aquilo que já haviam invadido. À esquerda e à frente, bem ao fundo, por trás do muro do quintal, por trás da rua de trás, por trás do bairro, uma gigante montanha verde-escuro com um cume muito alto.
Sentou-se.
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Respirou o ar fundo. Fechou os olhos. Ao fim da longe expiração a primeira lágrima caia. Em sua cadeira sentia-se dona de si. Via que construira algo para ela própria. Sentia-se reconfortada sabendo que algum resultado de seus esforços era para ela mesma. Os filhos crescem e se vão. O amor vira vida e depois rotina e depois dois. Mas sua nova cadeira de balanço não. Aquela não era a cadeira mais confortável que já se sentara, mas ali, naquele momento, era a cadeira mais confortável que já se sentara!
Ao abrir os olhos viu que aquele Oeste que vinha da montanha, agora cinza, era chuva. Já marcava quase 17 horas e o sol já sumira. Por trás da montanha as nuvens escuras já chegavam às casas do bairro, porém sem pingar. Os relâmpagos eram visíveis, delineavam a montanha por detrás dela. Um silêncio de fim de tarde. Edônia via que cedo ou tarde teria que tirar as roupas do varal. Mas queria prolongar o momento em sua cadeira de balanço por mais alguns minutos. Horas. Dias, A vida, se pudesse. Aquilo era tudo o que não fizera em sua vida. Tirar um tempo para si. Pedir para a vida esperar. Para aproveitar. Elogiar o ócio, a tranquilidade e a própria vida.
E agora, aquela enorme velha montanha lhe mandaria chuva? Lhe queria tirar a vida? Aquela velha, que já tivera a sua, tirava a vida que restava desta outra velha? Ela que sempre acompanhou de longe minha vida. Quê queria esta montanha com esta chuva? Quê queria esta montanha ao regar-lhe?
Enquanto isso, a grossa parede de gotas se mostrava e descia as íngremes encostas da montanha. O vento, agora mais forte, quase arrancavam as roupas do varal. E Edônia continuava sentada. As vizinhas que tinham arriscado as roupas já tinham tirado-as de lá. O vento trazia o mudo d'água rapidamente. E Edônia sabia tudo o que podia acontecer. Molhar as roupas. Molhar a casa, as portas e janelas abertas. Molhar-se. Seria um trabalho imenso, depois. Mas valia a pena.
E como iria explicar para os filhos? Para o marido? Como iria explicar-se a si mesma quando cair em si? As perguntas apareciam em sua cabeça, mas logo se dissipavam. Pois estava ali. Entregue à si mesma. Entregue à sua vida. Entregue à sua cadeira de balanço.
Ao ver a chuva atingir o telhado do vizinho de trás, fechou os olhos. Colocou as mãos nos braços da cadeira e balançou. Sentiu o vento forte nos cabelos. Ouviu o barulho das portas, das janelas, baterem com o vento. O barulho dos pingos em seu quintal. O cheiro da grama e da terra molhava. Respirou fundo. Ao fim da longa respiração, já se confundiam lágrimas com gotas de chuva. Soluços com pingos no chão. Montanhas com nuvens negras. Cadeira de balanço com caixão.